Com a experiência de quem já atua há mais de duas décadas como diretor de vinhos do Grupo Pão de Açúcar, Carlos Cabral é referência no setor. Ao longo desses 20 anos, acompanhou de perto a evolução do consumo da bebida no país e ajudou a formar uma legião de “cabraizinhos”, como ficaram conhecidos os atendentes de vinhos por ele capacitados para solucionar as mais diversas dúvidas de clientes de Norte a Sul do país.
O exemplo de Cabral pode inspirar varejistas e atacadistas a investirem ou ampliarem a oferta de vinhos e espumantes em seus canais de venda. A Wine South America é uma boa chance para conferir as novidades das mais de 250 marcas nacionais e internacionais que estarão expondo em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, de 25 a 27 de setembro.
Confira a seguir entrevista concedida por Cabral à Wine South America, na qual o especialista fala sobre o mercado de vinhos no Brasil:
Qual o perfil do consumidor que adquire vinhos em supermercado?
Hoje, um grupo marcante de jovens entre 25 e 40 anos representam 50% desses consumidores. Quanto às classes sociais, são todas variadas. As mulheres continuam sendo as maiores compradoras.
Uma pesquisa apontou que grande parte dos vinhos são adquiridos no dia do consumo. O que sua experiência pode acrescentar em relação a isso? E qual seria o ticket médio de um consumidor de vinhos de supermercados?
Grande parte dos consumidores buscam o vinho no dia do consumo por não ter a tradição e a educação de manter um pequeno estoque em casa. As vendas têm 50% de sua realização nas sextas e sábados, o que comprova que haverá um programa diferente com vinho no final de semana. Em 2018, o custo médio no Pão de Açúcar foi de R$ 24,50, tal número vem subindo de 10% a 15% a cada ano.
Há algum estilo de vinho ou variedade de uva preferidos por esse tipo de consumidor?
Hoje, 80% das vendas são de vinhos tintos. O restante é para brancos, rosés e espumantes. Nos tintos, os vinhos jovens de Cabernet Sauvignon são os preferidos. Nos brancos reina o Sauvignon Blanc, e nos espumantes, os rótulos brasileiros são os preferidos. A divisão é equitativa entre os bruts e os moscatéis.
Quais as estratégias mais indicadas para os empreendimentos aumentarem a venda de vinhos nos supermercados?
Fundamentalmente, a degustação em primeiro lugar, sempre. O jovem consumidor, por não conhecer, não deseja apostar o pouco dinheiro que tem em algo que não conheça, daí gostaria de provar. Quando realizamos degustações em ponto de venda e dias de maiores movimentos, as vendas triplicam. Obviamente, nessa degustação o preço está promocional e o número de unidades (adquiridas) quadruplica.
Qual a importância em ter um atendente de vinhos para orientar o cliente? Como treinar a equipe?
Quem faz uso do atendente de vinhos em suas lojas, em apenas um mês de trabalho, suas vendas crescem 30%. Em seguida vem o atendimento confiável, ou seja, o cliente passa a ter um consultor só para si, e o atendente pode passar em poucos segundos as informações fundamentais sobre o vinho desejado. Hoje não se concebe um supermercado sem um especialista nessa área, até porque vender vinhos destaca em muito o atendimento e o mix de produtos que um supermercado pode oferecer. É muito melhor ser conhecido como um supermercado que tem uma excelente seleção de vinhos do que ser um líder na venda de sabão em pó.
Pequenas lojas também podem se beneficiar da venda de vinhos ou apenas as grandes redes?
As pequenas têm maior facilidade nos atendimentos e uma grande vantagem de fidelizar ainda mais o cliente, pois o atendimento torna-se mais amistoso e pessoal.
Como os atendentes podem auxiliar o consumidor na hora da compra?
Primeiro, perguntamos qual a finalidade da compra. Será para um presente? Para uma refeição em família? Para um encontro especial? Ou para um simples lanche ou reunião normal de família? Isso é importante saber porque há um vinho para cada ocasião, pois quem compra ou dá de presente um vinho, gosta de levar também uma história junto, assim quem presenteia se destaca perante todos. Há um fator que não temos ingerência sobre a compra que é o preço. Cada um sabe o quanto tem de dinheiro para gastar em uma garrafa. Esse é o único limitador em uma compra de vinhos, porque os demais predicados do produto são facilmente passados ao consumidor com muita ênfase e alegria.
Como avalias a evolução da comercialização de vinhos em supermercados nas últimas três décadas? Mudou muito?
Mudou totalmente. Com a presença do atendente de vinhos, as compras e escolhas ficaram mais fáceis. Para quem não sabe o que comprar ou não tem cultura vínica, a transferência do problema e das dúvidas é imediata. Podemos afirmar que o vinho entrou, lentamente, no cotidiano do brasileiro. Ainda não é um consumo regular, continua a ser seletivo, porém com mais frequência, e tomar vinho já se tornou algo comum, não algo especial só reservado para dias de festas.
Como avalias uma feira como a Wine South America, focada em negócios do vinho e realizada em uma importante região produtora, como a Serra Gaúcha?
Muito positiva esta ação. O produtor brasileiro tem muito a aprender com os tradicionais produtores de fora, que tem milhares de anos de história. Temos muito que aprender com os países da Europa que produzem vinhos há séculos e já sentiram que dentro de casa já não conseguem realizar grandes milagres, por isso miram suas armas nos países jovens. Os vinhos do resto do mundo não são nossos concorrentes, são professores que nos ensinam aonde devemos chegar. Essa interação é positiva, e a palavra soberana do consumidor deve ser respeitada. O que devemos fazer, incansavelmente, é conquistar o nosso consumidor com qualidade e preços justos. Daí temos que formar uma só frente para combater os aviltantes impostos que sobrecarregam os vinhos brasileiros. Nosso maior inimigo são os impostos internos, não os vinhos importados.